
Olhar para o passado com responsabilidade sobre o futuro
Levantamento histórico da mineração propicia espaço de reflexão sobre a atividade em Goiás
Kharen Stecca
Entender a história pode trazer uma melhor visão sobre o futuro. Com esta perspectiva, o Plano Estadual de Recursos Minerais do Estado de Goiás, que teve como base o Mapeamento de Oportunidades para o Setor Mineral, inova com um aprofundado levantamento histórico do setor. O responsável pelo levantamento foi o professor da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, Breno Mendes. O professor ressalta que entender a trajetória histórica do setor de mineração é importante para identificarmos tanto as contribuições da mineração para o desenvolvimento econômico-social do estado de Goiás, como os riscos e efeitos colaterais inerentes à atividade mineradora. Ele ressalta que, em outros planos de mineração, a parte histórica não foi tão aprofundada, porque não foi desenvolvida por historiadores profissionais. Mas, a abordagem historiográfica pode auxiliar e muito no entendimento do desenvolvimento da área.

Mineração como parte da história
Breno pontua que a mineração está intrinsecamente atrelada ao surgimento do estado de Goiás. Era uma das principais atividades econômicas quando a capitania foi criada. Para o relatório, o professor se baseou em documentos históricos e fontes historiográficas. Ele destaca um dos principais historiadores de Goiás, Luís Palacin e ressalta que em seu relatório ele propõe uma nova divisão dos períodos históricos da mineração. “Desde as bandeiras a mineração é importante economicamente”, ressalta. O relatório permite um mergulho histórico nessa atividade que muitas vezes foi deixada em segundo plano. “Aquilo que aconteceu no passado, nos ajuda a entender como chegamos aqui”, explica. Uma das mudanças históricas que o professor levanta é o fato de que a mineração hoje precisa estar aliada à responsabilidade ambiental, mas isso nem sempre foi uma realidade. O professor explica que, para o relatório, dividiu a história da mineração em Goiás em cinco momentos para facilitar o entendimento. Acompanhe abaixo como ficou essa divisão:
1722 - 1822 - o século da opulência do ouro de aluvião
A mineração foi uma descoberta decisiva para acelerar o processo de ocupação da região e atraiu o interesse da Coroa Portuguesa. Nesta fase ocorre o boom da exploração mineral no Estado. Por outro lado, não haviam técnicas apuradas, planejamento de longo prazo, que era uma característica da época na mineração. Breno lembra que Palacin chama esse século como o século do ouro, mesmo que outros minérios tenham sido explorados com menor intensidade, como os diamantes, por exemplo. “As pessoas mineravam na aventura, tentando a sorte, com conhecimento prático, mas pouca técnica, e ainda assim conseguiam encontrar ouro”. A mão-de-obra era praticamente escrava, e a vida dos trabalhadores era curta, devido às más condições de trabalho. Na época havia três tipos de mineração: do cascalho (ouro de aluvião), perfurações na beira dos rios, desviando o curso dos rios e a mineração de morro, que exigia uma técnica mais complicada. Fato é que havia muitos prejuízos ambientais com esse tipo de exploração: mercúrio na água, desmatamento da mata ciliar, uso de queimadas e assoreamento dos rios.
Mineração flutuante - século XIX
No segundo momento, que alguns historiadores chamam de “decadência”, Breno não concorda com a denominação. Neste momento, a agropecuária torna-se mais lucrativa que a mineração, há o declínio produtivo do ouro, mas a mineração continua existindo. Sobre esse período é possível concluir que as riquezas minerais do subsolo do Estado permaneciam desconhecidas e pouco aproveitadas, embora tenha acontecido a exploração de bens para a construção civil, como a mica, e o sal mineral e a descoberta de diamantes em Baliza, no sudoeste goiano.
Modernização e Estado: Século XX 1930 a 1960
Esta época marca no Brasil e em Goiás a modernização da mineração. A atividade começa a caminhar junto à industrialização no Brasil. Vargas promove o desenvolvimento da indústria e isso aumenta também o desenvolvimento mineral, necessário para a industrialização. Vargas valorizava muito a indústria de base e a mineração nesse contexto era estratégica. Nesta época foram criadas as estatais, órgãos de controle como o Departamento Nacional de Produção Mineral (DPNM) que integra as pesquisas geológicas com as atividades mineradoras e industriais. Breno lembra que esse discurso foi muito divulgado em Goiás por Zoroastro Artiaga, pesquisador que publicou vários textos falando da identidade de Goiás e quanto a identidade do estado precisava se desvincular da ideia de sertão e se vincular à modernidade. Para ele, a via da mineração era também uma via para a modernização.
Durante a 2a Guerra Mundial a demanda por produtos da mineração cresceu bastante. Por exemplo, o quartzo para os radiocomunicadores. E o Brasil foi o principal fornecedor de quartzo piezoelétrico, uma matéria-prima estratégica para a comunicação no front de batalha (rádios comunicadores) e para a construção de sonares de detecção de submarinos. Goiás era um pólo importante de produção de quartzo. Também havia um acordo mineral com os EUA para a mineração do Rutilo, na região de Pirenópolis, Corumbá de Goiás e Pouso Alto com vistas ao mercado internacional.
Industrialização 1960 a 1990
Neste período houve intenso crescimento da mineração, devido à ampliação da demanda por minerais gerada pela industrialização do estado. De acordo com o censo industrial, o número de estabelecimentos industriais e de pessoas empregadas no setor mais do que dobrou entre 1960 e 1970. Isso se refletiu em um crescimento da participação do setor industrial e mineral no Produto Interno Bruto (PIB) do estado. Nesse contexto, em Goiás foi criada a METAGO, Companhia Estadual de Metais. A METAGO é a primeira empresa estadual de mineração brasileira a entrar em operação no ano de 1961. Ela contribuiu para o campo das pesquisas, estudos geológicos e mapeamento do potencial mineral oculto do Estado, pois antes disso havia poucos estudos sistemáticos. Neste momento é que se descobrem minerais como o Nióbio em Catalão, Amianto em Minaçu e Níquel em Niquelândia. Apesar de suas contribuições, na década de 1980 ela entra em declínio quando na Constituição de 1988 é extinto o Imposto Único sobre Minerais que mantinha essa empresa. Sem orçamento e diante de disputas políticas e críticas à gestão, a empresa foi liquidada no final da década de 1990.
1990 até os dias de hoje
Esse momento marca a integração às redes globais de mineração, ao comércio global e a permissão de ocupação das atividades mineradoras por empresas multinacionais. Esse impedimento cai em 1995, o que permite a participação estrangeira nas empresas mineradoras. Neste momento, em Goiás, surgem diversas empresas mineradoras de pequeno porte como Junior Mining Companies, por exemplo. Entre 2002 e 2011 também houve uma supervalorização dos bens minerais, com o superciclo das commodities, devido, principalmente, à demanda da China por materiais nesse período. Esse clima econômico favoreceu um novo impulso para as atividades mineradoras em Goiás Em 2004 eram produzidos R$ 2 bilhões em minérios e em 2012 já eram 5 bilhões (GONÇALVES, 2016, p. 327).
Neste momento houve também uma mudança no paradigma da mineração com uma maior preocupação com o desenvolvimento sustentável. Ou seja, para fazer mineração hoje é preciso pensar nos impactos sociais e ambientais. A natureza não é apenas uma fonte de recursos a serem explorados. Atualmente, qualquer política pública precisa incluir na sua agenda a responsabilidade ambiental. É a responsabilidade socioambiental que domina a pauta da mineração. A preocupação atual com a sustentabilidade está diretamente ligada às implicações da atividade mineradora para a saúde dos trabalhadores do setor mineral e para a comunidade local em que é desenvolvida. Para tanto, é fundamental incentivar o diálogo entre o conhecimento científico produzido na universidade, o interesse das comunidades locais e a formulação de políticas públicas para o setor mineral.
Fonte: PERM
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